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Intelectual

"Não posso deixar de ser professor, esta é a minha natureza" dizia. Ao completar 70 anos, em 1988, foi aposentado compulsoriamente pela Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo, depois de uma carreira de mais de 40 anos como professor assistente, professor titular e catedrático de disciplinas do campo da Engenharia Estrutural. Mesmo assim, seguiu ministrando até o fim da vida, três cursos dentro do programa de pós-graduação em Engenharia Urbana: Evolução Urbana, Metropolização e Economia Urbana.

E que mestre era! Intelectual de formação científica e humanística, leitor em inglês, francês, alemão, espanhol e russo, estudioso de grego e de filosofia, doutor em física e matemática. Dono de uma biblioteca com milhares de livros, conseguia fazer da Engenharia uma ciência humana e das necessidades sociais a razão maior de toda a tecnologia.

Era num ambiente de impressionante concentração e silêncio, segundo testemunhas de suas aulas, que trazia para os alunos a amplitude de uma visão multidisciplinar, aliada à vasta experiência de secretário, prefeito, diretor da Companhia Siderúrgica Paulista - COSIPA, membro do grupo executivo do Metropolitano e tantos outros cargos públicos.

A abrangência dos temas de que tratou em anos de assídua atividade como intelectual e escritor - praticamente não passava uma semana sem revisar antigos textos ou produzir um novo trabalho - pode ser apreciada no livro "Urbs Nostra" (Edusp - Editora da Universidade de São Paulo e Editora Pini), lançado em 1991 quando completou cinquenta anos de carreira como engenheiro. São cerca de cinquenta artigos, discursos, ensaios e palestras, percorrendo desde aspectos técnicos de assuntos como saneamento, transporte, tecnologia e energia, até questões mais amplas como o advento do computador, a poluição, a megalópole, as perspectivas urbanas da América Latina, o papel do engenheiro, o papel do político e a nova Constituição.

Igualmente tem lugar em sua obra o sentimento do cronista em textos nostálgicos como "São Paulo - Fragmentos de Memórias", "Medita São Paulo", "O Retirante" e "Esse que Um Dia Foi Rio". Veja-se neste trecho de "Medita São Paulo" a tradução poética da frase que tanto o notabilizou em sua passagem pela prefeitura, a célebre "São Paulo precisa parar":

"Tudo em ti agora é grande, teus feitos e teus problemas. Tua riqueza e tua pobreza. Tudo é massa. A notícia revela tua angústia, teu sofrer. A esperança se esvai. O temor espreita. O crime alastra. A estatística registra teus atos. O número frio e rígido é agora tua fala. A poesia não mais entoa os teus cantos de outrora. Revela a tua dor. Adquiriste a beleza geométrica e perdeste a beleza interior. Sentes o peso do crescer, parece que pressentes o teu destino dramático. Mesmo assim caminhas para ele inexoravelmente, consciente do amargo futuro que te espera por crescer, sempre crescer. Mas tu, São Paulo, ainda tens alma. Não perdeste de todo a consciência. Há tempo para que medites. Não te destruas na ânsia de te construíres. Prefiro-te grande e viva do que gigante e morta."

(condensação livre de um texto de Silvana Assunção)
(texto3.doc) RPG - 28/06/1997 (rev. 1)