Entrevista com João Antônio del Nero ao Instituto de Engenharia

Fonte: Jornal do Instituto de Engenharia nº78 - Edição de Janeiro, Fevereiro, Março de 2014

Engenharia, metrô de São Paulo e Figueiredo Ferraz

Há mais de 30 anos como presidente executivo da Figueiredo Ferraz Consultoria e Engenharia de Projeto, João Antonio Del Nero iniciou sua carreira na empresa como estagiário do 4° ano do curso de Engenharia Civil. Formado pela Escola Politécnica Universidade de São Paulo (Poli-USP), é também mestre em Engenharia Civil pela mesma universidade.

Del Nero foi professor de concreto armado e protendido, pontes e grandes estruturas na Escola Politécnica da USP e no Mackenzie. Na Figueiredo Ferraz, participou de vários projetos, dentre eles planos Piloto e Diretor do novo aeroporto Internacional de Campinas; estudos e projetos na área de plataformas marítimas off-shore para exploração de petróleo, da Petrobrás; empresa de Los Ferrocarriles Del Estado, no Chile; estudo de alternativas técnicas e projeto da Ponte Brasil-Argentina, sobre o rio Iguaçu; detalhamento dos trechos 1, 21 e 8 do Metrô- RJ; edifício Trianon – Museu de Arte de São Paulo; projeto trecho serra da Rodovia dos Imigrantes, com 8 km de obras de arte especiais e 4,5 km de túneis; e linhas Norte/Sul e Paulista, do Metrô-SP, entre outros.

Em entrevista ao Jornal do Instituto de Engenharia, João Antonio Del Nero falou sobre a engenharia brasileira, a participação da Figueiredo Ferraz no Metrô de São Paulo e a infra-estrutura no País.

Como o senhor avalia a engenharia brasileira atualmente?

A engenharia brasileira está bem desenvolvida, mas nem sempre é bem aplicada no País. Muitas obras de mais dificuldade, o bom projeto é investimento porque representa apenas 3% do empreendimento. Se o projeto for bem feito, haverá pontos positivos no resultado econômico no prazo e na qualidade.

As obras de mais dificuldade, como metrô, grandes pontes, estradas complicadas e barragens, deveriam ser sempre projetos contratados pela melhor técnica. A primeira pista da rodovia Imigrantes que a Figueiredo Ferraz fez, a ascendente, foi uma proposta escolhida por melhor técnica. Isso é previsto na legislação, No primeiro ano de governo, o novo administrador que tem suas idéias e que quer mudar os caminhos deveria planejar e depois contratar projeto porque a obra começa por projeto. Contratando bons projetos, fará bons investimentos. O Brasil tem boa engenharia de projeto e construção, sem o que não teria empresas com tanto sucesso no exterior, onde compete com o primeiro mundo e, é por isto que eu digo, aqui a engenharia é mal usada; não é que não tenha bons projetistas. Há muita ingerência política, os cargos de secretarias, de ministros ligados a investimentos deveriam ter necessariamente um engenheiro como ministro ou secretário. Isso já aconteceu no passado.

A construção do Metrô de São Paulo começou com muita boa tecnologia e foi um grande avanço para a engenharia. Antes dos anos 50, os projetos mais complexos não eram elaborados no Brasil, por exemplo, os de barragens eram contratados no exterior. Nos anos 50 houve uma grande revolução.

O que gerou essa revolução no Brasil?

Começou com a construção CSN - Companhia Siderúrgica Nacional. Getulio Vargas negociou com os americanos a primeira indústria de aço pesada do País. Apesar de o Brasil já ter uma grande experiência em concreto armado desde meados dos anos 30 – informação registrada em bibliografia internacional – faltava no país uma usina siderúrgica. A engenharia civil que era desenvolvida em concreto foi complementada com outras modalidades, como eletricista, mecânica, química. E o Brasil deu um grande salto para a industrialização.

Com o lema de Juscelino Kubitschek, “50 anos em 5”, houve um grande avanço, e o Brasil realmente começou a se industrializar intensamente. A partir daí, começou a se desenvolver projetos no Brasil. Um marco importante foi o projeto do metrô. O Brigadeiro José Vicente Faria Lima foi o último prefeito eleito de São Paulo, antes da ditadura, e quis começar o metrô no Brasil. Faria Lima chamou o professor José Carlos de Figueiredo Ferraz para ajudar a estruturar uma companhia do metrô. O professor Ferraz, como era chamado, fez isso com muita seriedade. Foi um marco na engenharia de São Paulo.

Qual foi a participação da Figueiredo Ferraz na implantação do Metrô de São Paulo?

Ao ser eleito prefeito de São Paulo (1965-1969), [José Vicente] Faria Lima chamou o professor Ferraz, a quem tinha grande apreço desde que foi secretário de Viação de Obras no governo de Jânio Quadros, e disse que o nomeava como consultor especial para visitar os mais modernos metrôs do mundo. Assim foi feito, e o professor Ferraz foi à Europa à América do Norte e ao Japão e apresentou um parecer técnico, econômico e administrativo que serviu de base para a criação da Companhia do Metrô de São Paulo.

Foi, então, constituído o GEM - Grupo Executivo Metropolitano de São Paulo -, do qual Ferraz fez parte. Contratou-se a consultoria internacional, formado pelo consórcio HMD - Hochtief Montreal - Deconsult - para planejar, normatizar, consagrar as bases e trazer para o Brasil a melhor tecnologia existente em transporte metropolitano disponível na época. As obras se iniciaram na gestão de Faria Lima.

A engenharia brasileira desenvolveu o projeto e a construção da primeira linha de metrô (Norte-Sul). Com esse empreendimento, deu um salto tecnológico importante e necessário.

Com a crise dos 25 anos na engenharia, qual foi o caminho que a Figueiredo Ferraz encontrou para se manter no mercado?

Com a grande crise, a empresa intensificou seus trabalhos no exterior.

Nós sempre tivemos projetos de metrô. Antes da lei 8.666, o conceito de notória especialidade era muito usado. Ganhávamos 60% dos nossos projetos por notório e especialidade. Então, nunca deixamos de fazer projetos de metrô. Primeiro em São Paulo e depois no Rio de Janeiro, onde fizemos 60% dos projetos das obras enterradas.

Com a crise brasileira, o Metrô de São Paulo cortou todos os projetos em andamento, tínhamos três, outras consultoras também tinham. O Metrô ficou 14 anos sem contratar projetos. Eu tinha cerca de 50 pessoas que já estavam trabalhando a 20 anos no Metrô.

O Metrô de São Paulo foi considerado um dos três melhores do mundo por muitos anos. Hoje está muito desgastado porque o grande defeito foi o investimento muito lento. A Cidade do México começou na mesma época e tem 200 km de linhas, enquanto a cidade de São Paulo possui 70 km de linhas.

Quando os contratos foram cancelados, nós, da Figueiredo Ferraz, conseguimos um estudo para trabalhar seis meses no metrô de Lisboa, mas nosso sucesso foi tão grande que trabalhamos durante 12 anos. Fizemos também um trecho do metrô da Cidade do Porto. Assim, crescemos mais no exterior. Ganhamos uma concorrência no Peru do Banco Mundial, foi de melhor técnica também, para saneamento básico de sete cidades, a maior foi Cuzco. Disputamos essa concorrência com empresas estrangeiras. Além de trabalhos de saneamento básico, estudamos a remodelação de uma ferrovia pré-andina no Peru. Tivemos muito sucesso no Chile também em saneamento básico e implantamos várias metodologias.

No Chile foi interessante, fomos convidados para ajudar a desenvolver concreto protendido, que eles estavam atrasados. Ganhamos uma série de contratos de estradas importantes e fizemos com sucesso.

A nossa experiência em Saneamento Básico se deu com trabalhos para a Sabesp. Fizemos o projeto executivo do Sistema Cantareira.

Depois fomos para a Venezuela e estamos trabalhando ha 12 anos por lá, fizemos muitos contratos de metrô e o projeto de duas pontes colossais sobre o Rio Orinoco.

O senhor foi professor...

Tenho muito orgulhos de ter sido professor da Politécnica durante 31 anos. Lecionei sempre no 5º ano, concreto armado, protendido, pontes e grandes estruturas. Introduzi um método moderno de projeto e construção de túneis no meu curso.

Nós, da Figueiredo Ferraz, trouxemos, em 1968, uma tecnologia que revolucionou projeto e construção de túneis, que era recente na Europa, para o projeto da pista ascendente da Rodovia dos Imigrantes, o NATM - New Austrian Tunnelling method.

Em 1968, o senhor já trabalhava aqui?

Comecei na Figueiredo Ferraz como estagiário no 4º ano da Politécnica. Quando concluí o meu curso, em 1956, José Castanho - meu colega de turma - e eu éramos colaboradores do professor Ferraz, que nos efetivou como engenheiro. Quando começamos a trabalhar, a nossa Empresa tinha 20 pessoas.

Quando o Jânio Quadros renunciou, foram dias muito difíceis. Eu já tinha filhas, os bancos estavam fechados, e eu trocava cheques por dinheiro na padaria. Nessa época, o Ferraz chamou o José Castanho e a mim e falou: " Essa crise vai passar, e o Brasil vai progredir muito. Não tenho condições de pagá-los agora mas quero mantê-los aqui. Então, agora José você fica com 25% da firma, agora João você fica com 25% e são meus sócios". Aqueles primeiros meses foram muito difíceis, recebíamos quase metade do que ganhávamos. Depois fomos progredindo. Dez anos depois, quando tínhamos 200 pessoas trabalhando conosco, Ferraz nos chamou e disse: " Aquilo que combinamos oralmente ha dez anos, vamos passar para o papel agora, porque estamos viajando muito, um de nós pode morrer e como a família vai ficar? Não é justo. Então, vamos passar para o papel a nossa sociedade". Ficamos sócios durante dez anos pela palavra.

Da Figueiredo Ferraz se formaram mais de 30 empresas de projeto. Sempre que um engenheiro queria sair da empresa, eu o chamava na minha sala, tentava segurá-lo. Quando ele dizia que iria sair para abrir o negócio dele, ele me desarmava e eu dizia: "Tudo bem, então não vou te segurar mais, você vai continuar nosso amigo e vamos trabalhar juntos no futuro."

Muitos especialistas da engenharia falam da falta de planejamento no Brasil, por que o país não consegue mudar essa situação?

Não muda por ignorância política. A falta de planejamento estimula a corrupção. Um projeto mal feito pode acontecer porque o projetista não tem experiência para aquele trabalho ou porque foi feito num tempo muito rápido com conceito tendencioso. O projeto mal feito não tem prazo nem custo da construção. Isso pode interessar a muita gente.

Em sua opinião, quais setores da infra-estrutura brasileira necessitam de investimentos urgentes? Por quê?

Saneamento básico que envolve a saúde e causa a desgraça dos mais necessitados. É algo que socialmente agride quem tem consciência neste País. Não faltam recursos, faltam bons projetos. Anos atrás, fizemos a revisão de saneamento básico de Manaus. Em uma pesquisa, saneamento básico foi um dos itens mais almejados pela população.

Toda a infra-estrutura do País está atrasada, energia e transporte, entre outros. Nós, da Figueiredo Ferraz, fizemos um plano para desenvolver o transporte fluvial no País. O Brasil é um continente, tem 40 mil km de rios navegáveis, utiliza apenas 10 mil km e mal. o transporte fluvial é muito usado em países desenvolvidos. Os rios navegáveis são elementos naturais, não precisam de desapropriação, podem e devem respeitar as matas ciliares. O transporte fluvial é mais barato, do que o ferroviário, assim fizemos um estudo de desenvolvimento, pois queríamos entregar às altas autoridades, mas ainda não entregamos.

Destaques

  • Vídeo da participação do Presidente da Figueiredo Ferraz no Jornal da Gazeta >

    Matéria foi ao ar dia 12/02/2016 no Jornal da Gazeta. Leia mais
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    Aliança para o desenvolvimento portuário brasileiro é noticiada na Revista Tecnologística nº 240. Leia mais
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    Analisando os diferentes orçamentos da área governamental é possível verificar que não há recursos para investimentos em infra estrutura. Ao Leia mais
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